Este artigo foi publicado na Revista Agaronia – Volume 3, n. 1 – março de 2021. Está disponível no Blog Verde com autorização das duas autoras: Rafaela Camargo Maia e Nájila Rejanne Alencar Julião Cabral.
O manguezal é um ecossistema florestal característico de regiões costeiras tropicais de todo o mundo e no Brasil, é predominante na fisiografia litorânea (1). Apresentam diversas funções naturais, sendo áreas de alimentação, abrigo e reprodução para muitas espécies, atuando na produção de bens e serviços para as comunidades como mantenedores da biodiversidade, na proteção da zona costeira, como filtro biológico e no sequestro de carbono (2).

No entanto, o fator que mais tem contribuído para o destaque do manguezal como ecossistema é o fato de ser considerado área de alimentação, abrigo e reprodução para diversas espécies, entre elas, os moluscos.
Esses animais são de origem terrestre, marinha ou dulcícola, e estão intimamente associados ao manguezal, ocupando desde o solo, a água, as raízes, os troncos e até as copas das árvores de mangue. Possuem participação em vários níveis da cadeia trófica e representam a principal fonte de renda e subsistência para inúmeras comunidades pesqueiras tradicionais, destacando-se o extrativismo de bivalves (3). Gastrópodes também são amplamente distribuídos, com a ocorrência de algumas espécies endêmicas, demonstrando uma longa associação evolutiva (4).
Assim, devido a sua importância, o ecossistema manguezal é protegido por diversos dispositivos legais no Brasil, que o reconhece como Área de Preservação Permanente em toda a sua extensão. Entretanto, essa proteção legal vem sofrendo um intenso retrocesso, que pode levar a perdas irreparáveis para o bem-estar humano, seguranças hídrica e alimentar e no equilíbrio ecológico de uma faixa importante e vulnerável do território nacional.

No fim de setembro de 2020, foi revogada a Resolução N°303/2002 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Apesar de ainda serem protegidos pelo atual Código Florestal (5), esse instrumento normativo, apresenta problemas conceituais (6) e diferentemente da resolução revogada, prevê a utilização do manguezal em caso de utilidade pública, baixo impacto ambiental e quando as funções ecológicas estejam comprometidas. Adicionalmente, permite a ocupação de até 35% do apicum, feição indissociável do ecossistema, abrindo espaço para especulação imobiliária e a carcinicultura.
A decisão expõe claramente a forma como o Governo Federal passou a controlar um órgão que, por missão e histórico, sempre teve composição técnica e independência. A deliberação não contou com parecer das entidades científicas e de um amplo debate com a sociedade civil.
Quase dois meses depois, considerando os princípios constitucionais, o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou as decisões do Conama.
O futuro dos manguezais no Brasil está sendo negligenciado quanto à sua conservação prioritária. É necessário o estabelecimento de regras claras que impeçam o avanço das atividades impactantes assim como o restabelecimento de uma composição paritária no CONAMA, utilizando-se do Princípio da Precaução a fim de conciliar o desenvolvimento econômico com justiça social e ambiental.
Referências
- C. Giri, E. Ochieng, L. L. Tieszen, Z. Zhu, A. Singh, T. Loveland, J. Masek, N. Duke. Status and distribution of mangrove forests of the world using earth observation satellite data. Global Ecology and Biogeography v. 20, n. 1, p.154-159 (2011).
- S. Y. Lee, J. H. Primavera, F. Dahdouh‐Guebas, K. McKee, J. O. Bosire, S. Cannicci, K. Diele, F. Fromard, N. Koedam, C. Marchand, I. Mendelssohn, N. Mukherjee, S. Record. Ecological role and services of tropical mangrove ecosystems: a reassessment. Global Ecology and Biogeography, Australian, v. 23, n. 7, p. 726-743 (2014).
- HUSSAIN, S. A. & BADOLA, R. Valuing Mangrove Benefits: contribution of Mangrove Forests to Local Livelihoods in Bhitarkanika Conservation Area, East Coast of India. Wetlands Ecology and Management, Netherlands, v. 18, n. 3, p.321 -331, 2010.
- REID, D.G.; Dya, P.; Lozouet, M.; Glaubrecht & Williams, S. T. Mudwhelks and mangroves: The evolutionary history of an ecological association (Gastropoda: Potamididae). Molecular Phylogenetics and Evolution, v. 47, p. 680–699, 2008.
- BRASIL. Lei nº 12.651 de 25 de maio de 2012. Estabelece o código florestal e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder executivo, Brasília, DF, 25 de mai. 2012.
- BRASIL. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Atlas dos Manguezais do Brasil. Brasília: ICMCBio, 2018. Disponível em: < https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/manguezais/atlas_dos_manguezais_do_brasil.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2020.
Fonte: * Revista Agaronia – Volume 3, n. 1 – março de 2021.